Interação cultural entre o cinema e a cultura de massa

Uma grande variedade de livros é adaptada para o cinema e obtém sucesso, promovendo não somente a venda do livro, mas também os mais diversos produtos – da moda às artes. Alguns pesquisadores criticam algumas formas de linguagem destes autores contemporâneos; porém vale questionar: o cinema ganha uma trajetória diferente na atualidade?

Tendo como aliado o processo de interdisciplinaridade entre comunicação, literatura e história, busca-se estabelecer neste ensaio conexões entre a interação cultural do cinema, comunicação e consumo de massa. No primeiro momento, constitui-se um estudo destacando imagem, cinema e a apropriação cotidiana. Após são considerados os intercâmbios existentes entre a indústria cultural, a cultura de massa e o consumo. Finalizando serão abordados aspectos da comunicação social.

A sedução do indivíduo pelas iconologias com predominância de imagens e cores o afasta do livro, papel impresso e sem movimento. A leitura como atividade isolada, atualmente é preterida pelas adaptações para televisão, cinema e vídeos na internet. A imagem que é considerada como “toda e qualquer visualização gerada pelo ser humano, seja em forma de objeto, de obra de arte, de registro foto-mecânico, de construção pictórica (pintura, desenho, gravura) ou até pensamento (imagens mentais)”. (COUTINHO, 2008, p. 330), adquiriu papel relevante nas decisões de consumo de grande parte da população mundial.

Analisando o comportamento dos públicos, veremos na influência social os “valores que se manifestam sob várias designações – gosto, moda, voga – e sempre exprimem as expectativas sociais, que tendem a cristalizar-se em rotina”. (CÂNDIDO, 2006, p. 32). O público dá sentido e realidade à obra. “Se a narrativa é consistente e o seu ritmo adequado, o espectador é transportado a outros espaços e outras acções, podendo mesmo identificar-se com as personagens e partilhar imaginariamente das suas vivências”. (SOUSA, 2006, p. 579). Ou seja, relacionam aspectos da vida dos personagens, imitando as formas de comportamento, desenvolvem atitudes e, outras situações que manifestam comunicacionalmente a cultura.

Conforme Coutinho (2008), no cinema ocorre à exibição em salas escuras, somente com as telas grandes iluminadas, onde a imagem não é apenas cenário, mas parte da linguagem. A difusão do cinema contribuiu para a relação das massas com a cultura, indicando condições favoráveis para uma recepção positiva das imagens em todas as áreas; tornando linguagem, imagem, entre outros aspectos parte do cotidiano da sociedade. Segundo Burke (1992), o cotidiano que inclui ações, atitudes, rituais, entre outros, moldam acontecimento importantes e tendências.

As práticas quotidianas, individuais e colectivas, são expressões comunicacionais da cultura. Isto é mais evidente quando consumimos produtos culturais, como livros, filmes, telejornais, etc. Mas quando escolhemos um curso e uma universidade, quando conversamos com outra pessoa, quando imitamos as formas de comportamento que fomos apreendendo na nossa vivência, quando desenvolvemos determinadas atitudes e num sem número de outras situações também estamos a exprimir comunicacionalmente a cultura em que estamos imersos. (SOUSA, 2006, p. 71).

A influência destas práticas pode se manifestar das mais variadas formas e apropriações no cotidiano das pessoas. Contudo, desenvolver uma visão, por exemplo, sobre determinado comportamento ou cultura, requer muita atenção; segundo Jenkins (2009, p. 27) “o mesmo objeto de investigação é passível de diferentes interpretações por diferentes discursos; e que, até no âmbito de cada um desses discursos, há interpretações que variam e diferem no espaço e no tempo.”

Segundo Sousa (2006, p. 575) o cinema é “o produto de dois processos: o progresso científico-tecnológico e a necessidade das sociedades contemporâneas organizarem uma indústria do imaginário” (apud André Akoun – in Cazeneuve, 1976: 63). A ficção tornou-se o campo mais importante, destacando-se a evolução da linguagem cinematográfica e dos efeitos especiais, que acentuam o lado “mágico”, ficcional e espetacular do cinema.

Conforme o mesmo autor, em 1895 os irmãos Lumière inventam o cinema, que adquiriu som e cor já no século XX, constituindo o primeiro grande responsável pela internacionalização da “cultura de massas”. Para a compreensão do termo, Ferreira (2001, p.106) cita que a massa é “descrita como sendo formada por indivíduos atomizados, reclusos nos seus espaços privados. Os meios de comunicação surgem com força neste contexto refazendo a ligação de tais indivíduos com a sociedade”. Para Thompson (2002) as características da comunicação de massa são:

  • Produção e difusão institucionalizadas de bens simbólicos;
  • Ruptura fundamental entre a produção e a recepção de bens simbólicos;
  • Aumenta a acessibilidade das formas simbólicas no tempo e no espaço;
  • Implica a circulação pública das formas simbólicas.

Ferreira (2001) explica a massificação através da imposição do mass media pelo agendamento e espiral do silêncio; no primeiro a mídia propõe uma agenda de notícias veiculadas no dia-a-dia, muitas vezes definindo o que todos devem pensar; na segunda a força da opinião provoca o silêncio, principalmente quando este público tem diferentes opiniões do mass media (opiniões dominantes).

Assim, vale ressaltar a interação entre o consumo e a indústria cultural. A indústria cultural é constituída essencialmente pelos mass media (rádio, cinema, publicidade, televisão…), onde o indivíduo precisa “pertencer” e ser aceito. “A indústria cultural é percebida como um sistema, seja no funcionamento operativo (enredo, imagens, sons…), seja na sua diversidade de meios e gêneros”. (FERREIRA, 2001, p.110). 

O cinema torna-se um produto de muito impacto nesta indústria cultural, pois desde o início tornou-se uma máquina comercial, orientada para o lucro. “Uma das principais influências do cinema sobre a sociedade estará na consagração dos mitos associados ao star system e na propagação de modelos de comportamento e de vida sustentados por esse sistema” (SOUSA, 2006, p. 578).

A apropriação dos produtos de comunicação de massa acontece em um processo contínuo que envolve pessoas, contextos, mensagens. As mensagens do cinema também são consumidas e de diferentes formas, sendo que o receptor da mensagem

pode ter objectivos consumatórios ou instrumentais ao receber uma mensagem. Tal como no exemplo da recompensa retardada, o objectivo do receptor ao ir ao cinema poderá ser satisfazer-se de imediato com o filme (objectivo consumatório). Mas também poderá ser conhecer o filme para depois o poder contar aos colegas (objectivo instrumental). O receptor ainda poderá, na verdade, ter os dois tipos de objectivos, consumatório e instrumental, ao consumir uma mensagem. (SOUSA, 2006, p. 33).

Levando em consideração estes objetivos de consumo, pode-se perceber a importância que o cinema adquire na difusão de ideais, de marcas, de produtos destinados para as massas. A comunicação de massa é segundo Thompson (2002, p. 167) “uma questão de tecnologia, de mecanismos poderosos de produção é de transmissão; mas, também, é uma questão de formas simbólicas, de expressões significativas de vários tipos, que são produzidas, transmitidas e recebidas por meio de tecnologias desenvolvidas pela indústria da mídia”.

Neste ponto, torna-se relevante destacar a importância da comunicação na sociedade e na cultura, SOUSA (2006) salienta que o processo de comunicação envolve percepção, expectativa e o envolvimento. A percepção é baseada na experiência anterior do sujeito; buscado uma comunicação eficaz, o marketing utiliza ferramentas para motivar o receptor a envolver-se com produto/ marca, pois as mensagens que estão de acordo com a expectativa do sujeito tendem a ser mais aceitas por este.

A experiência anterior está ligada a memória. Halbwachs (2006, p. 51) descreve que “na memória de um grupo se destacam as lembranças dos eventos e das experiências que dizem respeito à maioria de seus membros e que resultam de sua própria vida ou de suas relações com os grupos mais próximos, os que estiverem mais frequentemente em contato com ele”. Atitudes simples do nosso dia-a-dia quando conectados com experiências ligadas aos sentidos: tato, barulho, degustação, cheiro e cores, envolvem as pessoas e permitem o desenvolvimento de uma vertente de produções cinematográficas voltadas para o consumo

Entretanto, além das experiências passadas, o consumo também é influenciado pelas novidades. Hobsbawn (1998, p. 29), destaca que a “novidade ou mesmo inovação constante é aceita mais prontamente na medida em que se refira ao controle humano sobre a natureza não humana”. Com o progresso (inovação socialmente desejável e inevitável), como relata o autor, alguns grupos são atraídos pelas novidades, outros são envolvidos pelo medo da inovação social, rejeitando até a inovação material de “utilidade” palpável, as mudanças rápidas nas relações humanas e as mudanças tecnológicas.

A novidade sempre esteve presente na área do cinema e comunicação, porém a mesma ainda possui muita necessidade de pesquisa. Na perspectiva construtivista “não se trata mais de lidar com os fatos sociais como coisas, mas de analisar como os fatos sociais se tornam coisas, como e por quem eles são solidificados e dotados de duração e estabilidade”. (POLLAK, 1989, p. 2). Analisar os fatos sociais buscando entender o consumidor e antecipar o futuro, por exemplo, analisar a importância desta interação entre cinema e os efeitos do consumo, ainda necessita de estudos.

Destaca-se neste processo, uma das dificuldades da comunicação social, a

necessidade de levar as pessoas a reparar numa mensagem, a seleccioná-la e a consumi-la, o que pode tornarse difícil, pois os receptores são activos, podendo escolher entre as muitas mensagens que competem pela sua atenção. Em última instância, o consumidor pode até ir fazer qualquer outra coisa, se as mensagens disponíveis não satisfizerem o seu sistema de expectativas nem atraírem a sua atenção; (SOUSA, 2006, p. 56).

Comunicar é “etimologicamente, relacionar seres viventes e, normalmente, conscientes (seres humanos), tornar alguma coisa comum entre esses seres, seja essa coisa uma informação, uma experiência, uma sensação, uma emoção, etc”. (SOUSA, 2006, p. 22).

Sendo que pode-se ressaltar que a comunicação é,

o sustentáculo e o lubrificante da sociedade e da cultura. É comunicando que os seres humanos constroem e reconstroem a sua identidade, dão significados a si mesmos e ao mundo, aprendem e reformulam os seus papéis sociais (que encenam constantemente), posicionam-se na sociedade e nos grupos e organizações sociais (o que apela aos conceitos de estatuto, poder e ideologia), adquirem e mudam valores, aprendem normas, negoceiam compromissos que permitem a integração sócio-cultural. (SOUSA, 2006, p. 64).

A comunicação como todo processo não tem início ou fim definido, é importante o entendimento que em todos os momentos as pessoas estão comunicando algo, através de mensagens verbais e não verbais. Comunicam-se as tradições da cultura através das diversas formas de manifestações, trocando informações, opiniões e experiências.

Conforme Sousa (2006), a comunicação social:

  • Contribui para a transmissão cultural e para disseminar explicações que tornam o mundo compreensível;
  • Contribui para a reprodução social e cultural, através dos quais uma sociedade se recria a si mesma e à cultura dominante que desenvolve a convivência social.

Enfim, as transformações na comunicação e nas tecnologias tornaram possível uma (re)produção infinita de imagens permitindo a utilização nos diversos meios. A invasão no cotidiano com informações, entretenimento e serviços, envolve o cinema em um processo discursivo de multiculturalismo que propicia significações em nossa realidade, respeitando as diferenças, mas promovendo uma conexão emocional e de práticas de consumo.

O contato com a grande tela possibilita o acesso à cultura a grande parte da população. Considerando o poder de alcance deste meio midiático no panorama contemporâneo, é provável que o espectador conheça a produção cinematográfica antes mesmo ter a oportunidade de ler o livro.

Logo, num mercado dinâmico e cheio de mudanças, o estudo das manifestações culturais e das áreas de conhecimento envolvidas na mesma, torna-se um importante fator de entendimento de uma série de discursos a respeito do mundo.

Referências

BURKE, Peter. A Escrita da História. Novas perspectivas. 2 ed. São Paulo: EDUSP, 1992.

CÂNDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.

COUTINHO, Iluska. Métodos e Técnicas de Pesquisa em Comunicação. São Paulo: Atlas, 2008.

FERREIRA, Giovandro Marcus. As origens recentes: os meios de comunicação pelo viés do paradigma da sociedade de massa. In: HOHFELDT, A; FRANÇA, V. V.; MARTINO, L.C. Teorias da comunicação – conceitos, escolas e tendências. 2 ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2001.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.

HOBSBAWN, Eric. Sobre a História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

JENKINS, Keith. A história repensada. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2009.

POLLAK, Michael. Memória, esquecimento e silêncio. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol 2, n.3, 1989.

SOUSA, Jorge Pedro. Elementos de Teoria e Pesquisa da Comunicação e dos Media. 2 ed. Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa, 2006.

THOMPSON, John. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 6° ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2002.

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