A arte do tempo na arte da narrativa

O imaginário cinematográfico tem a seu dispor infinitas possibilidades de produzir significados que influenciam na recepção do público, nas relações sócio-político-culturais, na formação da memória coletiva e social. “A imagem cinematográfica nasce durante a filmagem”, (TARKOVSKI, 2010, p. 135). Contudo, as imagens no cinema podem ser analisadas como objeto de representação e semelhança a realidade, que extrapolam o mundo audiovisual.

A imagem cinematográfica conta com os elementos roteiro, direção, montagem, fotografia, música, além do contexto social e político de produção e a recepção do público.

Num certo sentido, não há passado no cinema: quando as luzes se apagam e o filme começa a ser projetado, a história começa ‘de fato’ a suceder diante dos nossos olhos, nós estamos dentro dela e nela nos empenhamos num processo de participação onírica. Os eventos aparecem diretamente aos nossos olhos e ouvidos (efeito de realidade), nós estamos ‘lá’ como testemunhas e tudo é imediato, (MACHADO, 2007, p. 19).

A imagem escolhida para análise, buscando articular estas discussões conceituais, pertence ao filme “O Preço do Amanhã”[1] que apresenta uma reflexão sobre os valores dados a utilização do tempo. A figura 1 ilustra o momento que o personagem principal acorda e possui menos de 24 horas de vida.

Figura 1 – Cena do Filme “O Preço do Amanhã”: relógio do braço de Will, (FOX, 2011).

A imagem do braço destaca o relógio, que na narrativa cinematográfica segue o ritmo de um relógio de verdade, seguindo o mesmo tempo de passagem dos segundos. É importante identificar ao espectador que o tempo está realmente passando. O relógio possui uma cor contrastante com o escuro do quarto, os números são bem definidos, e ao longo do filme pode-se perceber em diversas cenas que não é necessário que as pessoas estejam perto para ver o relógio uma das outras.

O som é facilmente reconhecido, pois também é semelhante ao relógio de verdade. E, em outras cenas que a imagem do relógio do braço de algum personagem aparece com ênfase na montagem da cena, sempre possui destaque o som.

Nesta cena inicial do filme, na medida em que os segundos diminuem, o personagem Will comenta a necessidade de viver um dia de cada vez e que em um dia é possível realizar uma infinidade de coisas. O personagem Will declara:

Eu não tenho tempo. Não tenho tempo para me preocupar como isto aconteceu. É o que é. Fomos desenvolvidos geneticamente para parar de envelhecer aos 25 anos, só que depois nós vivemos só mais um ano, a não ser que consigamos mais tempo. O tempo, é a moeda agora. Nós o ganhamos e o gastamos. Os ricos podem viver para sempre e, o resto de nós só quer acordar com mais tempo na mão do que as horas do dia.

A imagem e a narrativa são complementares, pois referenciam imaginário e realidade. O sentido da expressão e representação da imagem do relógio transcende a experiência do espectador entre o real e o imaginário, através de uma infinidade de situações e maneiras de ver o mundo.

A questão da montagem permeada pela sensação de movimento das imagens revela as semelhanças de expressões da própria vida (tempo é dinheiro). O significado do consumo do tempo é expresso de forma muito realista pelo diretor ao longo da narrativa, embora o espectador entenda que ter um relógio no braço contando o tempo de vida não é a reprodução da realidade.

Para finalizar uma citação que faz refletir sobre a infinidade de relações da imagem “Um ato e não uma coisa: um gesto – interminavelmente prolongado, variado, coreografado – e não uma síntese. Uma imprevisível epidemia de semelhanças impossíveis de serem reunidas e não uma previsível sucessão de aspectos congruentes”, (DIDI-HUBERMAN, 2011, p. 50).

Referências:

DIDI-HUBERMAN, Georges. De semelhança a semelhança. Alea – Estudos neolatinos. vol. 13, n. 1, janeiro-junho, 2011, p. 26-51. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/alea/v13n1/a03v13n1.pdf

MACHADO, Arlindo. O Sujeito na Tela. São Paulo: Paulus, 2007.

TARKOVSKI, Andrei. Tempo, ritmo e montagem. In: _____. Esculpir o tempo.  São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 134-148.


[1] Sinopse: Em um futuro, a ciência descobriu um processo que interrompe o envelhecimento. As pessoas param de envelhecer aos 25 anos, quando inicia o relógio que cada um traz no seu pulso e, que indica que esta pessoa tem somente mais um ano de vida, a não ser que tenha dinheiro para pagar pelo tempo extra. Título original: In Time. Estreia Brasil: 4 de Novembro de 2011. Direção: Andrew Niccol. (sinopse adaptada do site IMBd, 2014).

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