Entre as experiências de consumo as questões do tempo e do espaço estão cada vez mais vinculadas e envolvem um complexo sistema de representações sociais e culturais. Cada narrativa, imagem, símbolo, som ou experiência é parte da formação sociocultural do cotidiano da sociedade de consumo, estando submetidos às culturas do consumo material, midiático e simbólico. Conforme Giannotti (2003, p. 95)
“na arte moderna a articulação entre a imagem e o texto passa por uma verdadeira revolução, uma revolução que pode ser vista hoje em dia em qualquer revista ou outdoor de nossa cidade: as palavras não evocam mais apenas seu conteúdo. Elas passam a valer por si mesmas como elementos gráficos expressivos”.
Assim, as articulações entre texto e imagem em uma exposição representam muito além do que a imagem e o texto isolados. A imagem e a palavra absorvem uma mescla de sensações e vivências, imergindo em um espaço fascinante de inquietações e diálogos.
Na exposição de Elida Tessler[1], por exemplo, elementos da literatura estão presentes em diversas obras. Uma das obras expostas traz a palavra temp destacada no livro A la recherche du temps perdu[2], de Marcel Proust. Na capa deste livro, ilustrado na figura 1, pode-se observar um carimbo vermelho circular[3] centralizado sobre a imagem de duas senhoras de vestido longo e chapéu.

O catálogo da exposição também apresenta o livro aberto nas páginas 1494 e 1495, conforme demonstra a figura 2 e, destaca uma página ampliada Le Temps retrouvé[4] (figura 3). O livro é escrito em francês, idioma original da obra. Nas figuras 2 e 3 pode-se notar que todas as palavras temps receberam o mesmo carimbo vermelho. Na figura 3 fica mais evidente as palavras Vous êtes ici[5] escritas no carimbo.


E, é justamente este termo em francês que a artista coloca como título de sua obra. Para Newman (p. 259 apud GIANNOTTI, 2003, p. 107) “o título poderia agir como uma metáfora para identificar o conteúdo ou o complexo estado emocional em que eu estava enquanto realizava uma pintura”, ou seja, destaca a importância dos títulos na leitura de uma obra. De acordo com Foucault (2001, p. 257) existe uma “[…] relação bastante complexa e problemática entre o quadro e seu título”. A relação da palavra tempo com a frase do carimbo é determinante na obra
A escolha de carimbar a palavra tempo com um símbolo de transporte, favorece a menção da temporalidade que a artista utiliza nas obras. Assim como, a ocorrência de muitos carimbos, nas imagens apresentadas no catálogo, revela que a palavra tempo repete-se muitas vezes no texto. Portanto, pode-se propor que a imagem traz a representação do consumo do tempo (perder ou ganhar tempo) e, a imagem sugere que o consumo deste tempo depende da interação do indivíduo. Um indivíduo que decidirá como consumir seu tempo, como consumir arte, como consumir as palavras.
Referências:
FERREIRA, Glória. Elida Tessler: Gramática Intuitiva. [Catálogo oficial de exposição]. Porto Alegre: Fundação Iberê Camargo, 2013.
FOUCAULT, Michel. Isto não é um cachimbo (1968). In: _____. Ditos e Escritos III. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 247-263.
GIANNOTTI, Marco. A imagem escrita. ARS (São Paulo). 2003, vol.1, n.1, p 91-115.
[1] Nascida em Porto Alegre em 1961, Elida Tessler é artista plástica e professora do Departamento de Artes Visuais e do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A exposição “Elida Tessler: gramática intuitiva” reuniu de 07/06/2013 a 18/08/2013, na Fundação Iberê Camargo, obras da artista feitas, em sua maioria, com base em elementos da literatura. A mostra, com curadoria de Gloria Ferreira, é composta por 14 trabalhos elaborados com diferentes materiais, incluindo vidro, metal e madeira.
[2] Em busca do tempo perdido.
[3] Reprodução do mesmo símbolo do sistema de transporte urbano da França.
[4] O tempo reencontrado.
[5] Você está aqui.