Carrego a mochila com todos os objetos Para me conectar livre, sem empecilhos. E a quero sempre leve, muito leve.
Mas aquilo que é leve, pesa, e o que pesa, eleva-se. Insuportável leveza compulsória.
Das tecnologias em nanodimensões, Aos argumentos nas redes sociais, Só conexões sem atrito, flutuando no vazio.
Sem obstáculos e sem sujeira, Nas conversas simples, em poucos caracteres, Vagam espectros em tempo real.
Limpas e leves são as ações brevíssimas, Sem incômodos, sem complicações. Tudo fácil enredado e flutuante.
E na aparente desmaterialização Da mochila que levo cheia de objetos, O vazio dos dados atrai e conecta.
Mas a liberdade sem peso É pluma que não pousa. É hiperdensidade que aterra.
Dizem que leve é para ser livre! Minha comida, minha bebida, minha roupa, Meu celular, meu tablete, meu laptop.
Leve hoje, pesado ontem. Mais leve amanhã. Matéria escura.
E da nuvem vem a música: “Leve, como leve pluma muito leve pousa, muito leve leve pousa aaa… Na simples e suave coisa, suave coisa nenhuma, suave coisa nenhuma aaa” (2)
Neste império digital (Leve coisa nenhuma), A nuvem não faz sombra.
E pesa o corpo dado e fardo. E pesa a fala simples sem sujeito, Pois sem o que molda ou atormenta.
Das coisas obsoletas e programadas, Na desmaterialização é a matéria que sustenta, No digital é o átomo que salva.
A mochila pesa e me avisa Que peso salva se for leve. Leveza sem peso é o nada.
Me curvo com a mochila Na gravidade insuportável Da era do vazio que constrange.
O olhar voltado pro chão. E as costas curvadas Pelo peso da mochila.
Tanto trabalho, gangorra, Tropeço, oh calculi, E desprego da obediência.
Do peso, ufa, se faz voo. Da queda que importa Vem a leveza, a liberdade.
O resto é pluma, Na nuvem, Que não pousa!
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1. Professor Associado da Faculdade de Comunicação da UFBA. Pesquisador do CNPq, Coordenador do Lab404.
2. Trecho da letra da música “Amor” do álbum “Secos e Molhados”, Secos e Molhados, 1973 – See more at: http://andrelemos.info/2014/10/leveza/#sthash.4NMwjYn1.dpuf