O paradigma da estética marca o estilo do nosso mundo

livro beja santos

Vem de longe a previsão do filósofo e sociólogo francês Gilles Lipovetsky de que a sociedade do hiperconsumo em que vivemos é um conglomerado das indústrias de consumo, do design, da moda, da publicidade, da decoração e do entretenimento em geral. No seu mais recente livro “O capitalismo estético na era da globalização”, por Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, Edições 70, 2014, faz-se a defesa de que entramos numa nova idade da estetização do mundo, que denominam por capitalismo artístico, um mundo encenado de desejo, com centros comerciais, grandes espetáculos e catedrais do consumo. Neste universo, o real vai-se construindo como uma imagem quase sempre espetacular, este capitalismo artístico carateriza-se pelo peso crescente das experiências e das sensações, pela integração generalizada da arte, do visual e do afeto na esfera do consumo. E observam: “O estilo, a beleza, a mobilização dos gostos e das sensibilidades impõem-se cada vez mais como imperativos estratégicos das marcas. Com a estetização da economia, vivemos num mundo marcado pela abundância de estilos, de design, de imagens, de narrações, de paisagismo, de espetáculos, de músicas, de produtos cosméticos, de lugares turísticos, de museus e de exposições”.

E mais adiante: “Com o advento das artes de massas e das estéticas comerciais ilustradas pelo cinema, a fotografia, a publicidade, a música gravada, o design, os grandes armazéns, a moda, os produtos cosméticos, é posta em marcha pela primeira vez uma dinâmica de produção e de consumo estético em grande escala”. Assim se torna compreensível este universo quotidiano transbordante de imagens, de músicas, de concertos, de filmes, de exposições, de bazares na moda. O consumo de componente estética ganhou um tal relevo que constitui um vetor importante de afirmação identitária dos indivíduos.

Qual o rosto deste capitalismo dito artístico? Para os autores o capitalismo tornou-se artístico no sentido em que está sistematicamente envolvido em operações que, ao fazer apelo aos estilos, às imagens, ao divertimento, mobilizam os afetos, os prazeres estéticos, lúdicos e sensíveis dos consumidores. A lógica dos autores, este capitalismo dispõe de quatro fases: a integração e generalização da ordem do estilo, da sedução e da emoção nos bens destinados ao consumo comercial; a generalização da dimensão empresarial das indústrias culturais e criativas; uma nova superfície económica dos grupos comprometido nas produções dotadas de uma componente estética; consolidação de um sistema no qual são destabilizadas as antigas hierarquias artísticas e culturais, ao mesmo tempo que se interpenetram as esferas artísticas, económicas e financeiras.

Em que território se move este capitalismo artístico? Há quatro círculos com cruzamentos e interconexões: as indústrias da cultura e da comunicação (música, cinema, edição, criações televisivas, jogos de vídeo, BD, portais, sítios de internet, plataformas de partilha de vídeos na web); os elementos que construem um tipo de vida, uma existência quotidiana mais estética e recreativa (arquitetura, decoração, design, moda, produtos cosméticos, luxo, gastronomia, lugares comerciais, parques de atrações, lugares de património, jardins e paisagens); o universo da arte propriamente dita (galerias, museus, centros de arte exposições, bienais, feiras de arte, sociedades leiloeiras); as indústrias manufatureiras cujos produtos técnicos permitem produções e consumos culturais de artistas e do público.

Enfim, o capitalismo artístico é o sistema em que, por intermédio da arte, as arcas ambicionam “reencantar” o mundo, encenando-se, criando emoção e vivência experiencial, no registo da criação e da beleza.

O livro de Lipovetsky e Serroy é ousado, engenhoso, altamente comentado, temos aqui uma tela larga sobre o capitalismo artístico, o mundo do design e um capítulo surpreendente sobre o estado estético do consumo para onde convergem arquiteturas comerciais e paisagens urbanas, o novo conceito da cidade-shopping, a gestão do património e onde se move o consumidor transestético. Como observam os autores, na sociedade industrial, os consumos eram estruturados por aspetos gerais de classe. Por exemplo as classes populares privilegiavam o funcional, o que era prático, sólido e fácil de manter. Quanto à alimentação, prevalecia a quantidade, o pesado, a gordura, o substancial, a rejeição de maneiras burguesas. Agora, os jovens dos bairros desfavorecidos já não querem sapatos para andar, querem Nike, Puma ou Reebok ou contrafações que os satisfaçam. Daí a nova leitura que também se deve fazer desta era de cuidados pessoais, de moda, de tatuagens, do look.

Para onde caminha esta sociedade transestética? É segredo que não se pode desvendar. Durará enquanto a estética for um objeto de consumo de massas e um modo de vida democrático. E não vale a pena moralizar, lisonjeando-a ou amaldiçoando-a. Provavelmente, irá evoluindo, por todo o lado aumenta a exigência de qualidade. Se a modernidade ganhou o desafio da quantidade, a hipermodernidade deve relançar o da qualidade na relação com as coisas, com a cultura, com o tempo vivido.

http://www.oribatejo.pt/2014/08/06/o-paradigma-da-estetica-marca-o-estilo-do-nosso-mundo/

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